segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O músico cego - Vladímir Galaktionovitch Korolenko



Vladímir Galaktionovitch Korolenko

Владимир Галактионович Короленко


O músico cego
Слепой mузыкант / Slepoi musikant 

O músico cego é publicado no ano de 1886. O propósito de Vladímir Korolenko, em nota para a sexta edição de seu romance, é esclarecer ao leitor o tema psicológico de sua obra: a atração que a luz exerce em Pedro, pois ela incide precisamente na crise espiritual do protagonista e é, também, a solução da mesma angústia psicológica de seu personagem. Korolenko adverte, também, que as críticas recebidas em torno da questão de que um cego de nascença (o caso de Pedro) não pode ter noção daquilo de que nunca presenciou não é correto, pois, por exemplo, o homem nunca voou como os pássaros e, sem dúvida, todos os homens sabem e quantas vezes as crianças experimentam em seus sonhos a experiência de voar. Por fim, argumenta que a imaginação é a força de seus episódios. Uma última observação centra-se no episódio das figuras dos cegos no mosteiro, mais precisamente no Capítulo VI, e seus diversos estados emotivos e de ânimos. A origem destes episódios é buscada pelo autor no Monastério de Sarovski, do episcopado de Tambov.


Vladímir Galaktionovitch Korolenko nasce em 27 de julho de 1853 na cidade ucraniana de Zhitómir, província de Volínia. Com a morte de seu pai, um funcionário da Audiência provincial, a família fica na miséria. Korolenko está com 15 anos e, graças aos esforços de sua mãe, consegue terminar o estudo. Korolenko passa sua infância e adolescência na Ucrânia. As histórias populares ucranianas contadas diversas vezes por sua mãe marcam, consideravelmente, o espírito do futuro escritor. Em O músico cego, não somente a história heroica do passado ucraniano é resgatada, assim como a canção e cançoneta populares russas são dimensionadas no decorrer do enredo, estimulada para Pedro, principalmente, por outros dois personagens: sobre a historicidade da Ucrânia, a criação do tipo Máximo Mikháilovitch Iatzenko é capaz de passar ao leitor a carga necessária da ideologia “marginal” em tempos da narrativa, com sua participação em batalhas que o mutilam; por outro lado, Jokhime, o mujique, como personagem tipicamente ucraniano em sua brutalidade, produz (depois de tantas tentativas) com elementos da natureza seu instrumento musical, ou seja, uma flauta daquela terra capaz de transmitir todo o sentimento do povo e do mundo ucranianos. A influência do também ucraniano Nikolai Gógol (Entardecer de Dikanka e Mirgorod), na prosa de Korolenko, é incontestável, além de admirável. Curiosamente, estes dois personagens (Máximo e Jokhime) renascem em suas importâncias para o cego Pedro, pois são seus professores que educam a criança cega nas adversidades do mundo dos homens que enxergam, mas não necessariamente veem (no sentido de apreciar) o que está a seu redor. Jokhime inicia o menino cego Pedro na música através da flauta ucraniana; tio Máximo, um inválido de guerra, afirma que talvez saia algo positivo da união entre aqueles dois inválidos no mundo, no caso, ele mesmo, e o filho de sua irmã Ana Mikháilovna. No fim da narrativa, no concerto que Pedro é aplaudidíssimo pelos presentes no salão em Kiev, o professor e tio Máximo compreende (e tem o coração positivamente apertado) o aprendizado que seu sobrinho tirou ao longo de sua trajetória de deficiente visual ao conviver com outros cegos e seus sofrimentos. A música ucraniana com seus sofrimentos e alentos contagia a todos os presentes. Assim é concluída a obra: 


       “Agora tinha triunfado na sua alma e vencia a alma dessa multidão, dizendo-lhe toda a profundidade e todo o horror da verdade que governa a vida...”. Tio Máximo conclui: “Sim, ele vê. Ele substituiu os seus sofrimentos egoístas, cegos e insaciáveis por uma verdadeira e nobre noção do que é a vida. Já sente a ventura e a desgraça humana. Recuperou, enfim, a vista e saberá doravante lembrar aos felizes que existem desgraçados... E o velho soldado inclinou a cabeça, meditando ainda. Ele próprio tinha executado tudo que as forças lhe consentiram. Então não tinha sido de mais na Terra. Asseguravam-lho os sons cheios de energia e convicção que enchiam e arrebatavam todo o auditório. (...) E assim começou o músico cego.”. (O músico cego. Tradução de Natércia Caramalho. Publicações Europa-América. 1971.)


O amor de Korolenko por sua terra faz com que o escritor ucraniano explore de modo poético e especial os cenários naturais, trabalhando pouco as cenas internas (do castelo, do quarto de Jokhime, do mosteiro, etc.). Pedro, o cego, domina sua casa e as adjacências desta, mas descobrirá suas limitações e, por extensão, seus desafios, quando expande sua geografia pela natureza. Desta natureza, surgem Jokhime e, a partir do Capítulo VI, os cegos do mosteiro. Pedro explora o natural e, desta maneira, Korolenko, conduz a narrativa a partir da duplicidade escuridão/claridade-luz na vida e na transformação humana do músico cego. 


Todo este bucolismo trabalhado por Korolenko, um tanto romantizado, não impede o observador que Korolenko tem dentro de si, pois seu olhar clínico não descarta as dificuldades presentes no cotidiano dos lavradores, dos mujiques, dos miseráveis cegos, assim como também dos abastados sociais. Sua fé e esperança nos homens não é diminuída nem desproporcionalmente ditada no enredo de O músico cego, pois o que o leitor encontra em cada capítulo é o equilíbrio narrativo entre as angústias e necessidades de Pedro e o encantamento que este consegue com a música da flauta e do piano, com a música popular ucraniana, com o aprendizado de seus professores, com o ensinamento da própria natureza, com o sofrimento dos outros cegos e, finalmente, com o amor de sua mãe Ana Mikháilovna e sua esposa Evelina. A recompensa final dá-se com o nascimento de seu filho (não cego, apesar do tormento de Pedro até o exame final clínico feito pelo médico) e a consagração de seu talento musical agora em público. O fim retoma o início da narrativa de O músico cego, pois, no impactante Capítulo I, o diagnóstico do médico à mãe do menino cego é sem esperanças de que este vá, algum dia, enxergar. No fim, ele “enxerga-se” a si mesmo como um ser capaz de superar suas próprias expectativas e a dos outros. A luz que o conduz através de seus anos de vida sobressai, não somente, mas principalmente, na concepção que passa a ter em relação a som, cor e movimento.


A libertação dos servos na Rússia, em 1861, é o contexto de Korolenko em seus oito anos de idade. Em sua obra como um todo, o autor preocupa-se com a condição de vida dos servos. Em O músico cego, Korolenko aborda a influência do mujique Jokhime (e seus ensinamentos) sobre o filho do abastado Popelsky, o músico Pedro. Em nível social, o autor fica atento para esta troca entre os ensinamentos da cultura popular e a assimilação da classe rica desta cultura do povo. Ana Mikháilovna, num comentário adverso, estranha a sensibilidade do mujique frente à música, estranhamento que se desfaz pela própria colocação que serve como reflexão para algo que, no decorrer do enredo, confirma-se como algo natural, humano e possível. Em 1871, Korolenko ingressa no Instituto Tecnológico em São Petersburgo, abandonando-o tempo depois. Aprende o ofício de sapateiro. Em 1879, depois do enterro do poeta Nekrássov (transformado em agitação política), é deportado pela primeira vez para Glázov, província de Viatka. Aproveita e conhece ainda mais o povo, acentuando em seu espírito a solidariedade e o engajamento populista. Em 1880, é enviado para a Sibéria. Desta experiência, sai o relato A tentação. Em 1881, deixa a prisão de Tobolsk, sendo conduzido à província remota de Yakutsk. Em 1885, recebe autorização para regressar à Rússia. Mora em Nizhni-Nóvgorod. Korolenko conhece, então, a fama. Jornais, revistas e a Academia abrem as portas ao escritor de O sonho de Makar. Vladímir Korolenko morre em 25 de dezembro de 1921.


O processo narrativo de O músico cego é conduzido por um narrador em 3a pessoa e assim dividido: Capítulo I (10 partes); Capítulo II (13 partes); Capítulo III (9 partes); Capítulo IV (6 partes); Capítulo V (12 partes); Capítulo VI (10 partes); Capítulo VII (2 partes) e Epílogo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário